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Llibre d'amic e amat

A primeira secção da quinquagésima parte do Llibre de Evast e Blaquerna é constituída por uma coleção de “metáforas morais”, ou seja, aforismos de conteúdo religioso, que expressam a experiência contemplativa do protagonista quando se torna ermita. A redação do Livro de amigo e amado tem um pretexto didático no capítulo 97 da novela: alguns discípulos pedem ao mestre Blaquerna que lhes ensine o seu método de elevação espiritual e ele, recordando a extraordinária devoção dos místicos muçulmanos denominados sufis, decide resumir em tantos versos como dias tem o ano uma síntese concetual e literária da sua vida dedicada ao amor a Deus.

A última edição crítica do Llibre del gentil e dels tres savis mostra que o número de versos não corresponde exatamente aos dias do ano. É um detalhe menor que nos indica o caráter “prático”, quer dizer especulativo e poético, da recolha; a quinquagésima parte de Blaquerna é acompanhada, com efeito, por um tratado teórico, o ‘Arte de contemplação’.

Os aforismos do Llibre del gentil e dels tres savis não seguem qualquer organização temática e apresentam diversos recursos literários: diálogo, questão, descrição, definição, narração. O tema central é a relação do homem religioso, o amigo, com o ser transcendente, o amado, à luz do vínculo que os une, isto é, o amor.

A Arte de Raimundo, que é inventiva, demonstrativa, contemplativa e também “amativa”, explica como funciona tecnicamente o processo de procura de Deus: por isso uma parte importante do Llibre d’amic e amat está destinada a glosar o comportamento das três potências da alma racional (entendimento, memória e vontade) no salto amoroso da criatura ao criador.

Outra parte dos versos propõe reflexões sobre a essência divina: as dignidades, a Trindade, a Encarnação, sempre a partir da linguagem precisa da Arte de Raimundo. O opúsculo tem, porém, depois da aparente dispersão dos seus motivos literários, uma sólida estrutura de pensamento e uma estrita coerência em relação ao sentido da união mística: o intelecto abre o caminho da compreensão de Deus, mas a vontade que ama é que empurra o amigo, se a memória não esquece o amado.

Os aspetos mais famosos do Llibre del gentil e dels tres savis são os que descrevem o papel (sempre secundário) das criaturas (sol, estrelas, nuvens, pássaros, caminhos…) no estímulo do amor a Deus, e o estado emotivo da alma enamorada, invadida pelo desejo, o esquecimento, a pena, a procura, a falta e o choro. É aqui onde Raimundo faz eco de temas da poesia amorosa universal, desde o Cântico dos cânticos aos trovadores occitanos, sempre desde a peculiar perspetiva do impulso para o transcendente. Não é fácil precisar os paralelismos com a grande literatura mística sufi, como também aparecem diluídas as possíveis dívidas para com a tradição judaico-cristã. As formulações que Raimundo propõe para os antigos motivos de alcance universal são poderosamente pessoais.

Ramon Llull, Llibre d’Amic i Amat, ed. Albert Soler i Llopart, “Els Nostres Clàssics. Col·lecció B” 13 (Barcelona: Barcino, 1995), 310 pp.